O estudante perguntou a um sufi: “O que é perdão?”. Ele respondeu: “É a fragrância que as flores dão quando são esmagadas”. Então, o sufi orientou: “Seja como a flor que dá sua fragrância mesmo na mão de quem a esmaga”.
Minha alma foi tocada pela beleza e profundidade das palavras lidas. Voltei os olhos para a minha própria história de vida. Recordei-me da pergunta feita ao meu pai há muito tempo:
– Pai, como perdoar alguém que nos feriu de maneira grave e, ainda, injustamente?
Ele olhou bem dentro dos meus olhos e fez referência à seguinte passagem bíblica: “Jesus disse: Perdoar até setenta vezes sete”. Papai pediu-me para fazer o cálculo de setenta vezes sete. Então, continuou: “O ódio é uma arma perigosa e nós não devemos ter essa arma. Deus não odeia ninguém. O sofrimento é passageiro. Tem sofrimento que serve de remédio na vida da pessoa”.
Fui sacudida por sua firme e clara resposta, que ressoou mais como advertência do que conselho. Em instantes, entendi que não dava para ficar patinando nos ressentimentos causados por outrem. Tinha que aceitar o passado, perdoar, esquecer e seguir em frente sem carregar nas costas o fardo da ira e de rancores.
Hoje, com mais de 50 anos, penso que perdoar no número de vezes que Jesus aconselhou só se torna mais fácil em relação a quem amamos demais, como os filhos.
Filhos, criados por Deus a partir de nossa própria carne, revelam aos seus genitores o amor de Deus presente no humano. Sim, os filhos ensinam os pais, fonte terrena de vida, a praticarem o sagrado mandamento do perdão, quantas vezes se fizerem necessárias. Quem melhor que as mães para saber tudo que está contido nas palavras de Jesus: “A quem muito se ama, muito se perdoa; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco se ama”. Os Sufis têm 99 nomes para Deus. Um deles é Al Ghaffar e significa “o que perdoa”.
Que seria dos relacionamentos, em especial, com as pessoas mais próximas, se não nos fosse dado o potencial de relevar pequenas e grandes ofensas – as que recebemos e as que cometemos? Como poderá acontecer encontro se as pessoas se olharem somente com os olhos do passado? Relevar as ofensas impede as pessoas de se tornarem ilhas isoladas e vivifica vínculos de família, assim como os demais construídos numa sociedade. Quão apropriadas continuam as palavras de Jesus: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra.”?
Se a consciência não estiver totalmente desperta, será inevitável correr o risco de machucar e ser machucado na convivência com quem quer que seja. Certa vez, uma tia muito amada, de alma belíssima e de coração imenso, compartilhou comigo sua prece: “Todos os dias eu converso com Deus e peço a Ele perdão por meus pecados – os lembrados e os esquecidos”.
Algumas canções de Madredeus me remetem ao tema deste texto. Diz a letra:
“Amar, amar, amar (...)
(...) Nada é maior que amar.”
A prática constante do ensinamento sufi – aceitação da vida com compreensão – nos conecta com o silêncio interior, bálsamo divino que possibilita curar até lesões emocionais profundas e ressentimentos antigos. E, chega um tempo em que a mágoa se dissipa, sem esforço. Ao sairmos do domínio da mente, tocamos a dimensão da alma. Então, tudo que for contrário ao amor, dissolve-se por si mesmo.
Não se trata de negar o problema, a ofensa, nem dor ou qualquer emoção que se sinta. Ao contrário, nada pode ser curado em nosso interior sem ser observado e investigado devidamente. Mas, se a ferida é curada, qual o sentido de lembrar com frequência de quem a provocou e dos desconfortos dela decorrentes? A memória factual permanecerá, mas não dará origem a perturbações emocionais no momento presente.
Quem se aceita com amor, enraíza em si e vincula-se ao presente. No acolhimento da vida com totalidade, o peito se abre e respira livre das amarras de sofrimentos passados. Pouco a pouco, os desgostos se desmancham e são esquecidos.
A bênção do perdão abre as asas da alma, transpõe muros e nos leva para longe e para o alto, de onde obtemos a confirmação das palavras que escutei de Kiran: “É possível relaxar, com todos os problemas, com todos os movimentos e mudanças que acontecem naturalmente. É possível estar em silêncio, com todos os distúrbios.”
E do silêncio brota a flor da Consciência que, mesmo esmagada, exala sua fragrância. Faz parte de sua natureza entregar perfume à Vida.
ENILDES CORRÊA é Administradora, Terapeuta Ayurveda e professora de Anubhava Yoga. Autora do livro Vida em Palavras. Site: www.solautoconhecimento.com.br
Minha alma foi tocada pela beleza e profundidade das palavras lidas. Voltei os olhos para a minha própria história de vida. Recordei-me da pergunta feita ao meu pai há muito tempo:
– Pai, como perdoar alguém que nos feriu de maneira grave e, ainda, injustamente?
Ele olhou bem dentro dos meus olhos e fez referência à seguinte passagem bíblica: “Jesus disse: Perdoar até setenta vezes sete”. Papai pediu-me para fazer o cálculo de setenta vezes sete. Então, continuou: “O ódio é uma arma perigosa e nós não devemos ter essa arma. Deus não odeia ninguém. O sofrimento é passageiro. Tem sofrimento que serve de remédio na vida da pessoa”.
Fui sacudida por sua firme e clara resposta, que ressoou mais como advertência do que conselho. Em instantes, entendi que não dava para ficar patinando nos ressentimentos causados por outrem. Tinha que aceitar o passado, perdoar, esquecer e seguir em frente sem carregar nas costas o fardo da ira e de rancores.
Hoje, com mais de 50 anos, penso que perdoar no número de vezes que Jesus aconselhou só se torna mais fácil em relação a quem amamos demais, como os filhos.
Filhos, criados por Deus a partir de nossa própria carne, revelam aos seus genitores o amor de Deus presente no humano. Sim, os filhos ensinam os pais, fonte terrena de vida, a praticarem o sagrado mandamento do perdão, quantas vezes se fizerem necessárias. Quem melhor que as mães para saber tudo que está contido nas palavras de Jesus: “A quem muito se ama, muito se perdoa; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco se ama”. Os Sufis têm 99 nomes para Deus. Um deles é Al Ghaffar e significa “o que perdoa”.
Que seria dos relacionamentos, em especial, com as pessoas mais próximas, se não nos fosse dado o potencial de relevar pequenas e grandes ofensas – as que recebemos e as que cometemos? Como poderá acontecer encontro se as pessoas se olharem somente com os olhos do passado? Relevar as ofensas impede as pessoas de se tornarem ilhas isoladas e vivifica vínculos de família, assim como os demais construídos numa sociedade. Quão apropriadas continuam as palavras de Jesus: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra.”?
Se a consciência não estiver totalmente desperta, será inevitável correr o risco de machucar e ser machucado na convivência com quem quer que seja. Certa vez, uma tia muito amada, de alma belíssima e de coração imenso, compartilhou comigo sua prece: “Todos os dias eu converso com Deus e peço a Ele perdão por meus pecados – os lembrados e os esquecidos”.
Algumas canções de Madredeus me remetem ao tema deste texto. Diz a letra:
“Amar, amar, amar (...)
(...) Nada é maior que amar.”
A prática constante do ensinamento sufi – aceitação da vida com compreensão – nos conecta com o silêncio interior, bálsamo divino que possibilita curar até lesões emocionais profundas e ressentimentos antigos. E, chega um tempo em que a mágoa se dissipa, sem esforço. Ao sairmos do domínio da mente, tocamos a dimensão da alma. Então, tudo que for contrário ao amor, dissolve-se por si mesmo.
Não se trata de negar o problema, a ofensa, nem dor ou qualquer emoção que se sinta. Ao contrário, nada pode ser curado em nosso interior sem ser observado e investigado devidamente. Mas, se a ferida é curada, qual o sentido de lembrar com frequência de quem a provocou e dos desconfortos dela decorrentes? A memória factual permanecerá, mas não dará origem a perturbações emocionais no momento presente.
Quem se aceita com amor, enraíza em si e vincula-se ao presente. No acolhimento da vida com totalidade, o peito se abre e respira livre das amarras de sofrimentos passados. Pouco a pouco, os desgostos se desmancham e são esquecidos.
A bênção do perdão abre as asas da alma, transpõe muros e nos leva para longe e para o alto, de onde obtemos a confirmação das palavras que escutei de Kiran: “É possível relaxar, com todos os problemas, com todos os movimentos e mudanças que acontecem naturalmente. É possível estar em silêncio, com todos os distúrbios.”
E do silêncio brota a flor da Consciência que, mesmo esmagada, exala sua fragrância. Faz parte de sua natureza entregar perfume à Vida.
ENILDES CORRÊA é Administradora, Terapeuta Ayurveda e professora de Anubhava Yoga. Autora do livro Vida em Palavras. Site: www.solautoconhecimento.com.br
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