Encontro com o Sufi Kiran Kanakia

                                         
"Sufi é uma pessoa plena de vida, dançando e cantando com a vida, em harmonia com a vida, cheia de êxtase e aceitação." 
Kiran Kanakia

"Os Mestres iluminados nascem para despertá-lo e fazê-lo compreender a Verdade."                                                                  Kiran Kanakia
"Quando você se depara com alguma verdade, quando você vê um Mestre e você vê a verdade do seu ser, alguma coisa dentro de você imediatamente a reconhece. Para entender o Mestre, seu mundo interior, você terá que crescer para dentro de sua própria interioridade. Quanto mais profundamente entrar para dentro de si mesmo, mais profundamente você entenderá o Mestre."                                        Osho

Desde jovem, sentia uma irresistível atração pela Índia, pelos seus gurus e pelo autoconhecimento. Parte de mim, que eu não sabia qual era, guardava a vontade de encontrar um Mestre vivo e aprender com ele os ensinamentos milenares da filosofia oriental, que exercia um fascínio sobre meu ser. 

Havia lido o livro O Fio da Navalha, de W. Somerset Maugham, que ativou ainda mais o meu desejo de visitar aquele longínquo país. Porém, dizia para mim mesma que sair de Cuiabá, viajar para o outro lado do mundo, conseguir encontrar um Mestre espiritual iluminado e poder receber, de forma direta, os seus ensinamentos era apenas um sonho, ou melhor, mera fantasia. 

Mas a Existência nos reserva muitas surpresas. Não poderia imaginar que, após muitos anos, inesperadamente, eu viajaria para a Índia, e a vida tornaria realidade aquele desejo quase esquecido e iria vivenciar algumas das experiências do personagem Larry Darrell. 

Em 1994, conheci o místico sufi indiano Kiran Kanakia. Quando o encontrei em Poona, estado de Maharashtra, na busca pelo autoconhecimento, já havia passado por vários processos terapêuticos – da psicanálise às terapias corporais ocidentais e orientais. Mais tarde, compreendi que nenhuma técnica terapêutica poderia nos conduzir ao estado de plenitude. 

Ao saber a respeito de Kiran, senti vontade de conhecê-lo e ir aos seus satsangs. Ao encontrá-lo e olhar nos seus olhos, reconheci estar diante de alguém que expressava a totalidade da presença divina em um ser humano. Seu olhar era diferente, profundo, emanava muita paz e amor. Vi tanta luz, amor e compaixão em seus olhos, como nunca havia visto em nenhum outro ser humano que tive oportunidade de encontrar.

Percebi e testemunhei naquela expressão a existência de um mistério.   Através daquele olhar soube que estava face a face com um Ser Acordado, cuja presença e compreensão ajudam a despertar o Mestre que habita dentro de todos nós: a conexão dentro de mim foi instantânea. 

Fui testemunha de muitos atos de compaixão por parte desse Mestre, o qual chamamos simplesmente de Kiran, que se colocou sempre na postura de amigo. Jamais deixou que o considerássemos diferente ou acima de nós. Insistiu em nos dizer que acordar e poder viver em estado de equilíbrio e harmonia é direito de nascimento de todo ser humano. Revelou-nos que a aceitação da vida com compreensão é a chave mestra para o nosso despertar. Que espiritualidade é crescer em entendimento e o principal deles é a autoaceitação com amor. 

Kiran nos abriu a cortina da natureza da vida interna e externa. Guiou-nos com segurança à compreensão dos nossos mais complicados labirintos emocionais e mentais. Desvendava o jogo da mente, os mal-entendidos que a pessoa carregava, às vezes, por uma vida inteira, os quais a impediam de viver em paz consigo e com o seu entorno. 

A sua expressão, simples e clara, tornou as coisas mais complexas dos universos emocional, mental e espiritual de fácil acesso e entendimento para nós. Ainda assim, eu percebia que muitos não concebiam a ideia de que tudo pode ser tão simples... A mente gosta do que é difícil e complexo, tem extrema resistência para aceitar e validar tudo que é simples.

Desmistificou muitas coisas, procurou nos sacudir, nos tirar do torpor do sono para trazer-nos de volta à realidade da vida. Entretanto, os verdadeiros mestres são menos atrativos do que os falsos gurus, pois oferecem apenas água pura para matar a sede daqueles que batem a sua porta. Não servem coca-cola, não dão soníferos, não vendem sonhos, ilusões e nenhuma promessa de salvação ou de iluminação, pois não exploram as fraquezas de ninguém. Simplesmente nos ajudam a tratar e a abrir os olhos para retornarmos à nossa própria casa. 

E as palavras de Kiran me chegam com veemência neste instante: 
"Não me coloquem num nível superior a vocês. A mesma vida que está em mim está em vocês. A única diferença é que eu estou desperto e vocês estão dormindo. Foi-me possível despertar. É possível para vocês também. Quando vocês estão aqui e agora com consciência, não há diferença entre mim e vocês. Somente permaneçam alertas, conscientes, aqui e agora. Vocês têm asas, não precisam ir a nenhuma escola para aprenderem a voar. Abram as suas asas e voem. Comecem a se aceitar do jeito que são." 
Sentada à mesa de jantar com ele, sua família e os seus amigos de diversos países, tinha a impressão de que o tempo transcorria em câmera lenta. A atmosfera era preenchida com tanta vida – vida em abundância, como dizia Jesus – que o meu coração se aquecia pelo sentimento de amor e gratidão por ter a bênção de estar lá – um momento único de encontro com a Fonte. Como foi bendita a acolhida que eu e tantos outros recebemos naquela casa! 

Kiran reunia-se conosco com extrema abertura e simplicidade, o que nos permitia sentir enorme proximidade dele, como expressam estas suas palavras: “Eu estou compartilhando com vocês como um amigo, para que vocês se tornem amigos de si mesmos. Esse é o meu entendimento. No dia em que me tornei amigo de mim mesmo, todo mundo é meu amigo”. Dizia também que “sentar-se diante do Mestre é sentar-se com você mesmo”, ou “eu estou tentando jogá-los para dentro de si mesmos”, ou ainda “eu não compartilho nenhum conhecimento. Eu compartilho meu próprio espaço. Eu estou aqui para lhes dar o gosto do açúcar e não para lhes dar o conhecimento sobre o açúcar”. 

Foi na presença desse amado Sufi, em seus satsangs, que me tornei íntima do silêncio interior. Unificava-me com o silêncio da Eternidade e sentia que as partes soltas e feridas do meu espaço interior eram curadas, reunidas e rejuntadas, sem qualquer esforço, pela argamassa do amor. A meditação acontecia naturalmente e aprendemos com ele a ir para dentro de nós mesmos com aceitação e amizade, a não nos exigir perfeição. 

Ajudou-nos a entender que somos perfeitos, com todas as nossas imperfeições. Que cada um é necessário do jeito que é, na sua própria expressão. Assegurou-nos que a vida não é miserável e pode ser vivida em celebração. 

Recebi seus ensinamentos, inclusive via DDI. Para ser mais precisa, Kiran mais que ensinava, ele partilhava o silêncio, a paz, o amor do seu Ser e a sua compreensão sobre a vida com todos que a Existência colocava diante dele, de forma incondicional. Não quis ter discípulos nem seguidores, mas simplesmente amigos, num encontro de igual para igual. Não fundou nenhum instituto ou ashram nem permitiu a ninguém ficar dependente dele e transformá-lo num ser superior ou em muleta espiritual. 

Nenhum ritual, nenhuma adoração, nenhum jogo da mente com a sua pessoa. Dessa forma, escapou da multidão das massas, restringiu os encontros a pequenos grupos, o que lhe possibilitou trabalhar de forma bastante individual com os buscadores espirituais que o procuraram. Não queria que os seus satsangs se tornassem um momento de entretenimento ou um “supermarket” espiritual, a exemplo do que existe hoje em cada esquina, não só na Índia, como em outros países, inclusive no Brasil, com direito a vários tipos de propaganda para atrair a atenção e a “fidelidade” das pessoas. 

A ênfase foi totalmente dada à mensagem, transmitida para conseguirmos curar e abrir os nossos olhos, termos a nossa própria experiência, clareza, sabedoria, por fim, a nossa liberdade e liberação. “Aos poucos, você verá as respostas para os seus problemas. Você pode caminhar, ver e viver por si mesmo”. 

Deixou o corpo aos 65 anos, repentinamente, sem aviso prévio, durante o repouso noturno. Contribuiu com a sua presença nesse tempo e espaço para florir, embelezar e perfumar a vida com a fragrância da consciência e do amor. E esse deveria ser o compromisso maior dos seres humanos: perfumar ao seu redor com amor e consciência. 

A sua súbita partida colocou-me diante desta verdade expressa por ele: 
"A vida é mudança e movimento. Não há nada permanente na vida. Se há, o tempo todo, alguma coisa mudando e se movendo, não existe perfeição. Existe movimento. Existe mudança. Essa é a natureza da vida, a qual é insegura, incerta e tem um futuro desconhecido." 
No momento do adeus, foi inevitável chorar a dor da sua partida. Contudo, além da dor, fica o reconhecimento da graça de ter feito parte do seu grupo de amigos e convivido por um período de 12 anos com Kiran, cuja expressão é de uma grandeza e beleza incomparáveis para quem teve olhos abertos para vê-lo em sua totalidade. 

O seu divino compartilhar tem permitido a inúmeras pessoas de várias partes do mundo viver de maneira mais relaxada, harmônica e com clareza na mudança de cada passo. 

O entendimento sufi que transmitiu ao longo de vários anos carrega a força de despertar todos aqueles que o escutaram com confiança e se dispuseram a colocar em prática as mensagens recebidas e, a partir daí, viver guiados por essa compreensão. 

A sagrada fragrância desse amado Mensageiro Sufi ainda está no ar e podemos aspirar o seu perfume. Fica o desejo profundo de que possamos abrir os olhos e ofertar à Vida a prece do nosso despertar – o mais belo presente a Kiran Kanakia, eterno Mestre e Amigo. 

Registro algumas das mensagens de seus discursos: 
"A minha abordagem é sempre científica. Ela tem que ir para a experimentação. 
Compreenda a natureza da vida. Compreenda a natureza da mente. E aceite ambas. Uma vez que você vive com essa compreensão, isso trará equilíbrio entre ambas. 
Se você quiser relaxar, seja amigo de si mesmo. Chega de ódio. Por que nós nos odiamos sem entender? Em que erramos? Se entendermos em que fomos errados, será muito fácil entender o que traz a correção. 
Entenda como viver, como estar em harmonia, como estar em equilíbrio, como estar em sintonia. Uma vez que você compreende como estar em sintonia, a vida se torna uma dança. 
A causa da sua tensão, estresse, é a sua não aceitação. A causa da sua não aceitação é a sua ignorância. 
Compreenda a causa da sua tensão, do problema e não busque a solução. Não busque a resposta de como ficar livre do problema. Sem entender a causa, você pula para o remédio. Logo, esse remédio não vai solucionar o problema.  
Você deveria se importar com a sua própria cegueira. 
Abrir os olhos é permanecer disponível para a vida. 
A vida é uma pintura bonita se você aprende como usar as cores... Compreensão é o segredo. A compreensão o liberta. 
Aceitação com compreensão conecta com a vida. Entendimento é a liberdade. Entendimento significa clareza. 
Não peça a descrição do que alguém vê do 50º andar, mas pergunte onde está a porta para alcançar o 50º andar. Essa deve ser a abordagem correta. 
Clareza interna é ver o jeito como as coisas são, é ver a realidade sem nenhuma imaginação, preconceitos, julgamentos etc. 
As pessoas despertas são aquelas que têm a compreensão da verdade, da natureza da vida. 
No momento em que você começa a se amar, a se aceitar, esta mente que se apresenta como inimiga começa a ficar sua amiga. Quando você se aceita, a transformação acontece por si mesma e a mente começa a ficar silenciosa, naturalmente. 
Nós somos parte da Existência. Quando você se conecta com a vida, você se sente unificado. 
A entrega à Existência resulta em total aceitação. Você aceita a si mesmo do jeito que é, onde você está, o que quer que você seja. 
O que faz você espiritual é a sua maneira de olhar a vida. 
Espiritualidade, da maneira como entendo, é o crescimento de entendimento, o que traz a harmonia, o equilíbrio, a sintonia com a realidade, de fato, da vida. E esse entendimento começa a crescer de dentro e leva ao equilíbrio e à harmonia. Isso significa que o conserva relaxado com todos os problemas ao redor. É o que chamo de entendimento espiritual. Eu não concebo espiritualidade como as pessoas a entendem: fazer alguma meditação, pegar um caminho, seguir um mestre ou ficar longe do mundo. 
A vida é uma moeda – os dois lados juntos. Não há nada positivo, nada negativo. 
A vida é um processo de aprendizado. Você vai de uma aula para a outra. Não há ponto final na vida. É somente movimento até você morrer. 
Volte para a realidade. Volte para o fluxo da vida, aceite-se como você é. Aceite o jeito da vida ao seu redor. Aceite o que você tem e verá que a transformação acontece. Dessa maneira, compreenderá o real significado da amizade. E, agora, é essa a demanda deste tempo: que nós nos tornemos amigos uns dos outros. Você tem que se tornar amigo de si mesmo.
Somos todos seres humanos expressando a vida de forma una. Compreenda a sua unicidade e aceite-a. A vida sabe o propósito pelo qual lhe deu essa unicidade. Não há nada de errado em seu ser, não há nada imperfeito em nenhum lugar. Diga SIM para você mesmo, e você ficará em harmonia no seu interior. 
Não há caminho. Apenas esteja presente. Somente volte para a sua própria casa. 
Em qualquer ponto em que você quiser relaxar, apenas aceite o jeito como é. Aceite a vida como ela vem, com o coração e as mãos abertas. Apenas relaxe, aceite-se e faça todas as coisas com consciência. Seja uma testemunha. 
Você não é o corpo. Você é a testemunha que observa tudo. 
Relaxar é deixar de lado todos os esforços, é ir além de todo fazer. Se você está fazendo esforço para relaxar, não é relaxamento. Relaxamento é seu próprio estado; está o tempo todo com você, nunca foi perdido. Não é criado através do fazer. É somente acordar para o seu próprio espaço. 
Bem-aventurança, felicidade, é nosso estado natural. Não é algo a ser encontrado. Você tem que abrir os seus olhos. Não procure pela luz, faça alguma coisa com os olhos. Nunca lute com a escuridão, porque, com os olhos fechados, há escuridão. 


Iluminação é o seu florescimento interno, que pode acontecer através da correta compreensão. 
Oração é, essencialmente, gratidão. Quando você está miserável, não pode sentir gratidão, e o buscador nunca é miserável. 
Você não é a onda. Você é o oceano. 
 A vida ainda está se movendo. A vida ainda continua. A vida ainda é bonita. Veja-a e ligue-se a ela."
          Kiran Kanakia

BENEDITA ENILDES DE CAMPOS CORRÊA é Administradora e Terapeuta Corporal Ayurveda. Ministra palestras e seminários vivenciais na área de Qualidade de Vida a organizações governamentais e privadas. E-mail:omsaraas@terra.com.br

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