A Travessia de Dante


"Cada momento é o último momento. O próximo momento nunca chega. O que é realidade é o aqui e agora. Acorde para este momento e apenas esteja aqui e agora. A Existência em cada momento lhe dá a oportunidade de despertar." Kiran Kanakia
O povo mato-grossense ficou chocado com a partida prematura de seu mais renomado político, Dante Martins de Oliveira. Uma morte inesperada, abrupta, que nos deixou estupefatos. Segundo informações, Dante entrou andando no hospital e faleceu no mesmo dia. Difícil de entender, difícil de aceitar. Foi tão rápido, que o povo não teve tempo sequer de orar pela sua recuperação. 

Nesse momento de pesar em que, num único dia, pela manhã, vi a prima Eldil Rezende amanhecer morta no seu leito e, logo em seguida, à noite, a notícia do falecimento de Dante, as palavras do amigo indiano, Kiran Kanakia, com quem convivi por um período de 12 anos, e que também partiu recentemente, com apenas 65 anos, ecoam mais uma vez nos meus ouvidos: “A vida é mudança e movimento. Não há nada permanente na vida. Essa é a natureza da vida, a qual é insegura, incerta e tem um futuro desconhecido”. 

Lembrei-me, ainda, da conversa que o meu pai teve comigo dias antes de falecer. Alertava-me de que a morte é companheira da vida, de que o importante no nosso viver é a paz e a harmonia. Contudo, poucos tomam consciência dessa verdade. Assim, grande parte das pessoas estabelece como prioridade correr atrás de dinheiro, status social, poder, sexo, e deixa de lado o que é essencial conhecer na nossa existência. E muitos se destroem em busca de um mundo cheio de ilusões. Porém a morte varre tudo que não é real.    

Esta partida para o desconhecido – a morte – é um Mistério que o homem não conseguiu decifrar, da Antiguidade à Modernidade. Permanece intocado pelo homem. Enquanto olhava o rosto de Dante durante o seu funeral, era difícil acreditar que a sua passagem neste tempo e espaço havia chegado ao fim, aos 54 anos. Lamentavelmente, não alcançou a longevidade de seu pai, o querido e sábio amigo Dr. Paraná, que partiu aos 89 anos. 

A morte é um parto, da forma para a não-forma, e não nos é permitido saber quando acontecerá para cada um de nós. Uma expressão chega ao fim e outra nova inicia-se dentro do processo contínuo do Universo. E, para essa passagem acontecer livre de medo e tensão, é necessário que tenhamos adquirido entendimento, capacidade de aceitação e entrega à Existência. Infelizmente, apenas uma minoria enfrenta a morte com sabedoria e relaxamento, principalmente no Ocidente. 

A perda de pessoas queridas nos faz tomar consciência de que a morte é a única certeza que existe na vida. Remete-nos à nossa própria frágil condição. Suscita-nos indagações existenciais profundas. O que é destino de cada ser, o que é um acidente, o que pode ser evitado no decorrer do caminho? O que queremos para as nossas vidas? Temos a devida clareza para distinguir o que é realmente importante ou não para nós? Ou tropeçamos em nossa própria ignorância a cada passo que damos? Vivemos, de fato, ou passamos pela vida sem nela entrar? Nós a temos como amiga ou inimiga? Reservamos algum tempo para conhecer o mistério do nosso Ser? Estamos relaxados, celebrativos e gratos a cada novo dia que vemos nascer ou permanentemente ansiosos, angustiados, preocupados com o futuro e, continuamente, deixamos para ser felizes no dia de amanhã? Um amanhã que talvez nunca chegue... 

E a Assembleia Legislativa de Mato Grosso, local no qual foi realizado o funeral de Dante, onde, naturalmente, não se discutem questões referentes à compreensão sobre a vida e a morte, tornou-se palco de muitas reflexões por parte daqueles que foram dar o último adeus a Dante de Oliveira, independentemente de classe social ou partido político a que pertenciam. Por tudo que vi acontecer em torno do falecimento do ex-governador deste Estado, posso afirmar que o legado de Dante foi além do político. A partida desse homem jovem, famoso nacionalmente pelo movimento das Diretas Já, chacoalhou a população de Mato Grosso para a natureza da vida de que a grande maioria, entorpecida pela correria mecânica do cotidiano, costuma se esquecer. 

Enquanto finalizo este texto, vejo a imagem da homenagem que lhe fez seu amigo, o músico China. Silenciosamente, em frente ao corpo de Dante, no qual havia uma rosa vermelha colocada em sua mão, tocou a canção “As Rosas Não Falam”. Não exaltou os seus méritos como político e estadista; apenas procurou transmitir o seu sentimento de amizade no som do seu instrumento musical, o saxofone. As inúmeras homenagens ao homem público não sei se Dante conseguiu receber do lado de lá, porém esta, de seu amigo China, tenho certeza de que o alcançou, esteja ele onde estiver. 

Dentro de nós existe a parte que é eterna, que nunca morre, que vai além do tempo e da forma. O verdadeiro amor, como o de uma mãe pelo seu filho, e que vi nos olhos de Dona Maria Benedita pelo seu – Dante –, não tem fronteiras que o impeçam de irradiar-se. E no momento da morte – essa sagrada e misteriosa travessia – é o amor, a amizade e a compreensão sobre a vida que nos ajudam a realizá-la em paz. Só o amor penetra no campo da alma. É o que de fato vale a pena na nossa curta passagem nesta dimensão. O resto é passageiro e o tempo encarrega-se de apagar até mesmo os grandes feitos do homem... Na minha memória, permanece o olhar terno e investigativo desse ilustre cidadão cuiabano. 

Adeus, Dante. Esteja em paz. Que o amor, a consciência e a luz de Cristo e de todos os Budas se derramem sobre você, que o abençoem e o guiem nessa travessia da alma para o Eterno. 

Namastê.
08/07/2006


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