Lembranças de Cuiabá




Às vezes sinto saudade da Cuiabá de antes, do meu tempo de adolescência. Era mais fácil encontrar as pessoas que queríamos ver. Havia um ou dois bares aonde todo mundo ia e onde todos se encontravam. 

Hoje, a cidade cresceu, os bares e lugares de lazer se multiplicaram e a distância entre as pessoas também.

Os encontros deixaram de ser inevitáveis, como no tempo do bar Beto, das voltas no jardim da Praça Alencastro, dos passeios de carro pelas avenidas Getúlio Vargas e Isaac Póvoas, que, nas suas subidas e descidas, testemunhavam a brincadeira da paquera rolar livre e solta entre os jovens, através das janelas abertas e dos vidros claros dos automóveis da época. 

Nos passeios no Jardim Alencastro e na calçada do bar Beto, se andando em certa direção, não víamos quem queríamos ver, bastava dar a volta ao contrário: topávamos com a pessoa “cara a cara”. Não tinha escapatória e dali pra frente, o encontro se desenrolava, como que cumprindo fases de um ritual. Primeiro passo era deixar a timidez de lado (que teimava em aparecer), olhar e sorrir. Dessa forma começava uma paquera ou um namoro: um olhar e um sorriso meio tímidos. Em seguida, as apresentações e então, um bate papo. Os beijos viriam tempos depois. Ainda teriam que passar pela etapa que os antecedia - o segurar nas mãos, numa sessão de cinema (no Cine Tropical ou Bandeirantes). 

Entretanto, como toda moeda tem sempre dois lados, o problema era criado quando, marcava-se um encontro com mais de uma pessoa, achando que uma ou outra não compareceria. Mas eis que, para apuro geral de quem havia combinado, todos compareciam e “apareciam”. A confusão estava formada, pois fugir de alguém, era, praticamente, impossível. Só o jogo de cintura e a criatividade poderiam ajudar e nada mais. 

O tempo passa e produz suas mudanças. Atualmente, o “progresso” chegou, trazendo coisas boas e ruins. A cidade cresceu, perdendo a calma e a tranqüilidade de antes, o simples foi despojado do seu lugar, os ritos e os encontros “inevitáveis” desapareceram em meio ao “desenvolvimento”. Agora, precisam ser combinados previamente entre as partes que desejam se ver. Caso contrário, pelo acaso, tornam-se muito mais difíceis de acontecer. 

Por outro lado, a vida é também, o encontro com o inesperado. E como ela é cheia de surpresas! Belos e preciosos encontros surgem do acaso, do inusitado, e muitas vezes, a partir de um grande desencontro. No meu caso, o maior dos encontros que a Existência me presenteou, aquele, através do qual estou conseguindo encontrar a mim mesma, surgiu do inesperado, após as frustrações e dores de desencontros que haviam deixado suas marcas e seu peso dentro de mim. 

Mas seja como for, às vezes, gostaria de voltar no tempo em que tudo era mais simples e a distância que separava uma pessoa da outra, bem mais curta. De repente, fico querendo ver a Cuiabá de antes, que permitia maior proximidade entre as pessoas, inserida na Cuiabá de agora. 

E quando ouço algumas músicas do passado, que tocam de forma mais direta na minha história de vida, suscitam-me um flash back e uma saída do tempo lógico. Um filme sem direção começa a ser rodado na minha cabeça. Os vários tempos se misturam e desembocam num só. Quase não dá para fazer distinção e separação entre passado, presente e futuro; tampouco, entre sonho e realidade. Essas dimensões se misturam e se fundem dentro de mim, dando lugar ao criativo. 

As lembranças chegam de várias direções e de diferentes situações. Algumas vezes, são só memórias, outras, a saudade vem junto. É como se a música pudesse romper as barreiras físicas de tempo e espaço, dando-me a impressão de que vou ver o meu bem querer, que se encontra distante de mim, aparecer na minha frente, a partir do nada, como numa piscada de olhos do gênio de Aladin, que Cuiabá de antigamente e o bar Beto nos faziam acreditar que existia. 

ENILDES CORRÊA é terapeuta corporal Ayurveda e professora de Yoga com formação e aperfeiçoamento na Índia. Ministra palestras e seminários vivenciais a organizações governamentais e privadas na área de Qualidade de Vida e Humanização da Convivência. 


Comentários