desenho: Manoel de Barros |
"Sou livre para o silêncio das formas e das cores.
Só quem está em estado de palavra pode enxergar as coisas sem feitio.
A poesia não existe para comunicar, mas para comungar.
A palavra é o nascedouro que acaba compondo a gente.
A palavra amor anda vazia. Não tem gente dentro dela
Melhor ser as coisas do que entendê-las.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as Insignificâncias (do mundo e as nossas)."
Manoel de Barros
Assisti mais uma ver ao excelente documentário “Só dez por cento é mentira - a desbiografia oficial de Manoel de Barros”, do diretor Pedro Cezar. Foi inevitável reavivar em mim o desejo antigo de conhecer pessoalmente o poeta nascido à beira das águas do rio Cuiabá, reconhecido nacional e internacionalmente pela originalidade, artesania e mestria de sua obra literária.
Que bênção seria se o anseio de chegar a esse fantástico mensageiro da poesia, que transformou em extraordinária arte escrita a simplicidade das coisas comuns, se tornasse realidade. E por que não? Resultasse em poesia - a poesia do encontro.
Quem sabe seria “abençoada a garças” nessa transmissão que acontece na presença e no silêncio de ambas as partes, na dimensão invisível do Ser, e aprenderia, pelo menos um pouquinho, o idioleto manoelês, presente único da Vida a Manoel de Barros, nosso amado Poeta da palavra, que nos leva a deixar os pesados halteres do mundo de lado, nos instiga a desamarrar a nossa visão, deslimitá-la, e experienciar a liberdade de “transver” a expressão das formas e das palavras.
Se morasse em Campo Grande, iria tomar coragem de dirigir-me até sua casa e daria som ao mágico botão musicado que anuncia chegada de visitantes (era assim minha visão de campainha na infância). Então, esperaria ansiosa diante da porta e, se ela se abrisse e eu fosse convidada a entrar, caminharia feliz pela morada de Francisco de Assis dos nossos tempos.
Seu olhar desperto, sua sensibilidade e simplicidade, suas palavras e a relação de intimidade e profundidade que tem com elas deixam-me de boca aberta, com vontade imensa de “voar fora da asa” e encontrar o poeta que se juntou e se tornou Um com a natureza da palavra e a Vida.
Manoel de Barros “monumentou” a infância humana. Sua obra que narra seus nascimentos literários e ”empoema o sentido das palavras”, desperta os nossos sentidos, abre portas de novas percepções e lança encantamento sobre seus leitores.
Neste ano, vou ser avó pela segunda vez. É outro menino. Quando chegar o tempo de essa criança se interessar pelos contos de fada, espero poder contar-lhe que, um dia, esta avó (de 53 anos), tomada pela sede de “crescer pra passarinho”, foi visitar o Grande Poeta Manoel de Barros, que assim poetizou:
Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão falando.
Por viver muitos anos dentro do mato.
Moda ave.
O menino pegou um olhar de pássaro – contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas por igual.
Como os pássaros enxergam.
Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.
Em estado de graça com mais um Anjo neto em meu colo de mãe e avó, embevecida com a inocência de seu olhar, contarei a ele que Manoel Wenceslau Leite de Barros, o menino Nequinho que nasceu poeta, “tentara pegar na bunda do vento – mas o rabo do vento escorregava muito” - e não conseguira. Prosseguirei, fazendo-lhe esta pergunta: e você, meu presente de Deus, será que conseguirá segurar-se no rabo do vento?
E rezarei para que todas as crianças cresçam guardando em si a beleza da inocência manifestada na poesia de Manoel de Barros, que não se esqueçam da “pedra que toma banho de orvalho da manhã".
Em homenagem a todos os inocentes, em especial ao Poeta e ao recém-chegado viajante do Cosmos, amado desde a sua concepção, como deveriam ser todas as crianças que chegam à dimensão da forma, recitarei este trecho do livro Cecília Meireles - Obra em Prosa:
E se outro São Francisco se ajoelhar na gruta rústica, o Menino virá todo em luz aos seus braços, porque só o Santo Poeta entendia dessa irmandade geral do céu e da terra, e da graça de todos os despojamentos, e da alegria de não precisar ter, pela contemplação de todos os enganos, e da leveza da vida em expressão absoluta.
Arrisco a dizer que passarinho se fez humano no Imortal conterrâneo cuiabano, nasceu do “vazio da ponta do lápis” do Santo Poeta e cresceu pra Manoel de Barros.
Namaste!
05/03/2012
BENEDITA ENILDES CORRÊA é aprendiz da vida poética.
e-mail: omsaraas@terra.com.br
ótimo!
ResponderExcluirParabéns, Enildes,
ResponderExcluirpor nos brindar com mais um belo artigo que revela o encontro entre duas almas cuiabanas plenas de poesia.
Sua sempre amiga,
Neuza
Quem é Poeta, não deixa de ser Poeta. Porque vive no que "empoema". Parabéns!
ResponderExcluirMiriam Braga
FALAR DE MANOEL BARROS, DE POESIA, DO AMOR DE VÓ, DE FANTASIA, DA CHEGADA DE UM NOVO SER TÃO AMADO E ESPERADO NO VENTRE MATERNO É CANTAR A CANÇÃO DA VIDA É EMPOEMAR O UNIVERSO. QUE BOM QUE VC EXISTE AMIGA, DEIXA O UNIVERSO TÃO CHEIO DE PAZ NAMASTÊ
ExcluirNEIDE
Amiga Enildes, a conheço como uma excelente escritora, mas agora você está se revelando uma poetisa que até o Manoel de Barros vai ficar encantado. Minha amiga, você vai longe! Continue escrevendo essas maravilhas, pois enquanto lemos nos reportamos a um mundo que só a sua sensibilidade nos faz ver.
ResponderExcluirUm grande beijo.
Alrian Barros
Escutar o silêncio, ouvir o vento passar, correr atrás da bunda do vento. É mágico e insano. É coisa de poeta. Como deixar de amar o poeta. Como não amar quem ama a poesia.
ResponderExcluirQue texto "saboroso"! Grande Manoel de Barros! Grande Enildes!
Lúcia