A Força de Um Minúsculo Gesto Vital




          "A gente não se desfaz, não desfaz da vida nem dos que têm a vida."  
"Não se deixe ofender por uma ofensa. E, se você é mais forte que a pessoa que o ofendeu, mas que você ama, converse com ela e lhe dê conselhos."
  Hélio Corrêa da Costa

Recordo-me das palavras de meu pai: “Nós não devemos fazer nada em vão na vida”. Mas, quando não estamos na consciência plena dos nossos atos, quantas coisas fazemos em vão, não é mesmo? E quantas outras deixamos de fazer que assim jamais seriam, que exigiriam tão pouco de nós, às vezes, só estender a mão a alguém que necessita de uma pequena ajuda da nossa parte, o que estaria ao nosso pleno e fácil alcance. Mas, sem o coração aberto e a boa vontade para com o outro, muitos atos e gestos que fazem do homem um ser humano não são idealizados na mente das pessoas e muito menos acalentados no coração daqueles que se dizem “humanos”.

Não precisamos ir muito longe nem de grandes exemplos que constatam essa realidade. Comecemos pelos pequenos gestos do cotidiano. Muitas pessoas iniciam o dia com cumprimentos, que dão e recebem sem nenhuma gota de vitalidade ou afeto, um bom-dia, boa-tarde ou boa-noite dado de forma mecânica, “robotizada”, sem sequer olhar nos olhos de quem se cumprimenta. No decorrer do dia, deparamo-nos com pequenas e altas doses de grosserias, arrogância, prepotência, estupidez, indiferença e insensibilidade nas relações familiares, sociais e profissionais que dificultam e ferem uns aos outros.

Atualmente, reclamamos das incontáveis agressões para com o planeta, mas, dificilmente, reparamos nas agressões que fazemos, em maior ou menor grau, às pessoas que nos rodeiam e a nós mesmos.

O tempo todo transmitimos ou inibimos a vida. Gestos simples,  o jeito de olhar ou de falar com alguém, podem se transformar num carinho ou em agressão. Quando abrimos o coração para acolher e compreender uma pessoa que está à nossa frente, reforçamos  sua auto-estima, bem como a conexão com o seu entorno. Nesse caso, vemos a vida ser renovada e reforçada em cada encontro permeado pelo respeito, aceitação e acolhida. O contrário acontece se julgamos, menosprezamos e rejeitamos alguém – cortamos o outro em pedacinhos, muitas vezes, quase que imperceptíveis.  Lamentavelmente, a segunda opção é a mais comum no mundo em que vivemos, o qual colocou os valores que reafirmam a vida de cabeça para baixo.

Todavia, o homem não é uma ilha.  Osho nos diz:

Somos todos parte de uma única força vital – parte de uma única existência oceânica. Nas profundezas de nossas raízes, somos um só. Não importa quem você esteja ferindo, no final das contas você está ferindo a si mesmo... A não-violência resulta desta compreensão.

Não temos sido amigos de nós mesmos, que dirá amigos dos outros e do planeta... Essa lição básica de bem viver, as escolas não nos ensinam, nem as religiões. As palavras de Jesus: “Ama ao próximo como a ti mesmo” são repetidas com frequência pelos sacerdotes e por muitas outras pessoas, porém, sem que haja  compreensão da raiz do mal-entendido que impede a humanidade de colocar em prática esse ensinamento bíblico. 

Normalmente, o sentimento de amizade que se estende a tudo e a todos é construído por pessoas que tiveram a abertura, a disposição e a coragem de olhar para dentro de si, procuraram se compreender profundamente e conseguiram estabelecer uma amizade incondicional consigo próprias em primeiro lugar. Essa relação de intimidade e amizade conosco passa, necessariamente, por aceitarmos a nossa expressão por inteiro – em nível corporal, mental, emocional e espiritual. Olhar e aceitar, sem fazer escolhas, o nosso lado forte e o frágil, o que gostamos e o que não gostamos em nós mesmos. A internalização e a prática desse entendimento nos possibilitam manter o estado de equilíbrio e harmonia.  

Se estivermos reconciliados com as diversas faces da nossa expressão, quer seja a “bela” ou a “fera”, o relacionamento externo refletirá esse estado de harmonia. Se, por outro lado, estivermos em guerra conosco, em contínua autorrejeição, com constantes julgamentos e cobranças frequentemente  descabidos, em nível tanto do corpo como do ser, iremos projetar esse conflito também lá fora. Dessa forma, dificuldades, rejeições e incompreensões surgirão nas relações, em qualquer âmbito.

Aqui, cabem algumas palavras do místico sufi indiano, Kiran Kanakia: Esteja na vida como um estudante e não como um juiz”. Como sabemos, o juiz julga, enquanto o estudante não está interessado em julgamentos, quer apenas aprender.

É adotando a postura de estudante que nos abrimos para aprender a nos compreender, a nos acolher, a nos valorizar e, finalmente, a nos amar. A partir daí, ficará bem mais fácil conviver pacificamente com as demais pessoas.

Por conseguinte, uma mudança qualitativa nas nossas atitudes ocorre, perceptível desde a expressão facial. O nosso cumprimento, por exemplo, fica carregado de energia vital e preenchido pela intenção real de que a pessoa a quem nos dirigimos vivencie, de fato, o que as palavras procuram expressar.

Pessoas de bem consigo mesmas ficam de bem com a vida e espalham bem-estar e alegria ao seu redor. Tornam-se criativas, amorosas, compassivas. São tomadas pelo desejo de que a humanidade inteira seja feliz. O contrário também é verdadeiro: pessoas infelizes e que se rejeitam têm o impulso de maltratar e de destruir.

Finalizo com esta mensagem do Mestre Osho:

Um homem sério é incapaz de rir, é incapaz de dançar, é incapaz de brincar. Ele está sempre se controlando, tornou-se o seu próprio carcereiro. Deveríamos aprender a transformar nossas energias para que não fiquem reprimidas, para que sejam expressas através do nosso amor, da nossa risada, da nossa alegria.

ENILDES CORRÊA  - Terapeuta Corporal Ayurveda com formação e especialização na Índia. Ministra seminários vivenciais a organizações governamentais e privadas na área de Qualidade de Vida e Humanização do Atendimento ao Público. Autora do livro Vida em Palavras. 

Comentários